Reluto
por chegar à cena de configuração estática. Aquela que por
definição ressalta à vista por uma descoberta inegável, por onde
passamos e já não se pode mais ser o mesmo. Uma viagem poderia bem
ser um presente em leque para uma feitura literária de livre
composição. Sabe-se lá como esse relocamento de um ponto ao outro
fica ali estendido por um tempo, no transcurso diário dos dias
comuns, a rememorar o que passou como a gravação de uma paisagem
que rebobinamos incessantemente, até nos fartarmos de tantas
perspectivas vistas sobre uma mesma coisa. O certo é que ali fica,
em algum plano da memória, como um período intransferível e, como
se não bastasse isso, ficamos nós feito formigas na edificação de
um edifício, a realizar diariamente aquilo que parece ter como fim
mais uma viagem, mais uma fuga, mais uma reconfiguração pela
memória de uma vida que segue o seu percurso, seja da forma que for.
Como poderia eu, assim, voltar a esse lugar do plano consciente de
meu estado desperto e transpassar em linguagem o espanto de ter
descoberto a palavra dita no momento incerto?...
A vida
segue o seu fluxo e dizemos avante numa desordem que é como estar ao
mesmo tempo negando o pé que está na contramão e dando vez ao
outro que está no acelerador. Até que se descubra, pela
aleatoriedade dos eventos de um livro, a possibilidade metodológica
de passar em um teste seguindo a ordem não linear da sorte. E então
dizemos: Para ti, tal modo de configuração coube-te feito uma roupa
de alfaiataria, já para mim é bem outra coisa. E então ouvimos
ressoar a primeira pergunta: O que para mim é uma configuração
assertiva da disposição das coisas para o sucesso de meus afazeres?
E devolvemos: Para mim, reitero, há anos tenho disposto livros e
acompanhado as ocorrências feito uma observadora integral do que
está a minha volta, e ainda não estou por convencida de que esta
tem sido a melhor a que me proponho. Em particular, de quê
metodologia, me perguntaria, caso o diálogo romântico seguisse a
ordem do que se espera: Aquela que alterasse os eventos sem
cronologia da sorte. E dessa maneira podemos enfim recomeçar o
diálogo, de um ponto de partida onde o indivíduo é o seu próprio
relato que partilha da experiência de si com os outros, costurando
as modificações que lhe alteram o hábito.
Tal é o
espanto quando finalmente nos defrontamos, como que numa convergência
de linhas conscientes e experiências presentes, com algo que se
apresenta de forma indistinta. Peguemos então um livro do qual só
utilizaremos para compreender melhor a realidade que nos cerca.
Esgotada a sua possibilidade, fechamos o livro e já não o
cavoucamos para além da vida que se tem diante de si. Com o que
ficamos a balancear e a reflexionar, depois desse caminho de plano
consciente elaborado por outra mente de fluida edificação racional?
Ela se mostra condizente a uma narrativa da qual aceitamos sem negar
a sua capacidade de descrição real, de possibilidades que se tem no
mundo com as quais participamos ao mesmo tempo em que nos distanciamos
delas. É assim que é nos dada a capacidade de elaborar as nossas
próprias possibilidades no decurso de um tempo, cujos efeitos são
adquiridos somente com a paciência de se olhar para frente.
Voltamos
então ao ponto de partida. Ponto de partida este que seria uma
ruptura ou um declínio? Retoricamente se pergunta, muitas vezes,
quando se tem a resposta na ponta da língua, porém se quer ainda
ver os efeitos que o decurso do pensamento proporcionará. Não
querendo fazer desta construção um discurso de pensamento
assertivo, vou à tangente da questão e digo diretamente: o declínio
poderia ser o homem enervado diante de uma circunstância, e é
preciso dizer que está sempre diante de algo, ao ver que a sua única
solução seria voltar para trás, rebobinar desde o começo a
paisagem que lhe traz o sentimento de urgência, dispondo-a de
qualquer maneira, a qualquer custo de sua saúde, como aquilo que
apresenta-se a ele como prenda, onde o tempo é o que dá o domínio
e o enlevo sobre as coisas. Aqui defenderia a ruptura, uma vez que o
declínio é um homem por demais de atolado em meio a livros
poeirentos, em meio a algo que ainda não o descobriu como palha
seca. A ruptura diferencia-se do declínio enquanto marcação do
compasso das horas de um homem, enquanto o declínio já é a própria
doença do homem enquanto caso perdido. Ali ele pode situar-se,
habitar o seu corpo feito estrutura sólida, e dizer enfim que teve
um começo e que teve um fim, sem que a palavra ressoe como peso de
medida que morre ao se espatifar no chão. A ruptura aqui, contudo, é
minha imagem estática, aonde cheguei sem que forçasse o discurso do
pensamento, liberada que ficou esta paisagem.
A imagem
decorre de um transfiguração inicial, pendente que ficou a
identidade nos momentos de alteração climática para dentro da
alma. O passeio que faço decorre do estado de espírito de um
passarinho bêbado. Dias mais tarde, leio um trecho de um livro que
diz que para os vaabitas há somente dois pecados mortais: ter
outro deus que não o seu e - fumar, que é o que eles chamam do modo
infame de beber. De modo igual, dizia, que entre os antigos romanos
havia a ideia de que uma mulher só podia pecar mortalmente de duas
maneiras: cometendo adultério e - bebendo vinho. Temendo que o
espírito orgiástico e dionisíaco assolasse as mulheres do Sul,
quando o vinho ainda era algo novo na Europa, aquilo era um tremendo
de um exotismo, de modo a transformar a sensibilidade romana, sendo
vista quase como a traição de Roma, a incorporação do
estrangeiro. Pois veja bem, diante disso, reconfigurei a minha
paisagem. Podia ser um crime ou não passear bêbada narrando aos
ouvidos de um homem contemporâneo aquilo que improvisava no meu
discurso, com os recursos da hora, como que para modificar a
sensibilização de meu estado de espírito futuro, ao recordar o que
de mim era feito e dado pelo gesto e pela palavra, uma vez que
pressentia que algo ali não corria mais tão bem. E bom, muito se
foi dito sobre a mulher no decurso da história, e nenhum fez jus à
sua figura, nem mesmo na literatura mais atual, que é como uma
punhalada na sensibilização da vida mais reatualizada de hoje. É
que nessa viagem me apegava a ideia de amor, do êxtase místico e da
diferença do estado de enamoramento para o que é quase indefinível
de se dizer o qual se chama de amor, mulher que sou a definir-me com
uma mala a tira colo e um coração que tenta ser fiel a si próprio
por vezes. Soltei algumas palavras “Você uma vez me disse algo que
seu amores foram obsessivos... E neste livro o mesmo que me disse,
visto de outra forma, tal se chama êxtase místico...”. Disse como
que para ele encontrasse aí alguma cura, algum afago, talvez, que,
como dizia outra parte daquele livro, a natureza da mulher é a
docilidade, enquanto a do homem é a da vontade. O sol à pino
naquela praça. A minha posição sentada como que de meditação
sobre o banco. O seu corpo deitado em um conforto de se estar na rua
que jamais vi antes em parte alguma. A nossa fumaça que era o fim
daquela intraduzível conversa para outros passantes, dando a
marcação da ruptura. E finalmente, as palavras se espatifando ao
chão... “Não”, foi o que me disse, embora não me lembre mais
se fora pronunciado, ou se um simples gesto com a cabeça havia sido
reproduzido em mim como algo dito: “Não, não é mais assim, não
toquemos jamais nesse assunto, esqueça...”. Havia um muro à
frente. Derradeiramente, meu olhar desviou-se, confuso: o muro
ostentava a Vontade. Dias se seguiram e neguei-a. Apegada a uma
lembrança de algum ideal de ascese, impraticável no meu meio. Dias
se seguiram e languidamente me vi consumida. Dias se seguiram e só
amanhã irei tomar coragem para retratar-me: continuarei esta fábula.
Os recursos ociosos serão: hipérbole, uma pitada de acridoce e um
vasilhame de ficção carregada por uma vida de realismo
irretratável. É isso, então.
(...)