Mesmo para sair de um
estado miserável, será preciso ao menos que aquele último fio da
corda que o sustenta não se parta. Por um fio que é o mesmo que
estar suportado por uma última e mínima gota no mar da esperança.
Para sair de um estado miserável, não bastará apenas se levantar
da cadeira, injetar fogo nos olhos e suportar a B e a C com
cordialidade, como já bem reflexionou o mestre das metamorfoses.
Para sair de um estado miserável, será preciso o mesmo
despendimento de energia arrebatadora e monstruosa que levou alguém
a acomodar-se na própria queda. Assim como para tudo isso,
prevalecerá uma decisão, que se sustentará tanto maior se
aumentada pela calma retirada do mais profundo âmago.
Não é necessário que
alguém me conduza com as mãos, apontando-me com carinho e atenção
aquilo que já não vejo. Não é necessário que alguém me retire
com suas vísceras de minha acomodação feito a reação natural de
uma felina selvagem ao ver seu filhote sendo amordaçado por algum
caçador. Não é necessário que alguém me dê o trigo e o joio do
que fazer com as cem direções apontando ao léu para qualquer vento
quando meu tato se tornou áspero. Não é necessário que parta do
sofrimento maior para que a percepção da luta e da sobrevivência
se aclarem feito uma lição irreparável à espécie de animal que
sou. Não é necessário que me prendam, assim como não é
necessário que busquem meu retratamento social. À espécie de
animal que sou que contém toda a espécie num único ser vivo, ao
bicho feroz e espesso que sou que se confunde com o esgoto que sai
das cidades para o encontro com o rio, ao humano demasiado humano que
sou que pragueja e vocifera, que ama e que odeia, que sente e que
reflete, que tem necessidades vitais e fisiológicas e que atende a
toda sua particularidade espiritual e mental, profiro: do plano real
e comum a toda gente do que é possível se encontrar no mundo, não
há nada a mim que é necessário passar, porque não há nada que
seja prescrito na ordem de um destino.
Como poderia assim
ajudar quem quer que seja? Como poderia assim apontar caminhos? Como
poderia assim oferecer o mar da esperança de mudanças prósperas
para quem sabe se alguém a receberá ao menos num punhadinho de
grãos quando nela já não há?
Como pode ser assim que
há milênios um homem tenha feito ressoar o fluxo das águas da
mudança e tenha chegado aos meus pés até à poça de lama onde um
dia Hijikata se refletiu criança? Como pode ser assim que meu ser se
preserve, persevere e na colheita abra-se feito um leque, enquanto
ser na língua corrente nem se identifique com o ser gente?
Basta que em mim não
morra a infinitude de minha esperança maior até a última e mais
irrelevante. Um movimento característico dessa esperança obstinada
é arregalar os olhos por se sentir ainda surpreso.
{04.01.16}
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