segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Minha esperança obstinada

Mesmo para sair de um estado miserável, será preciso ao menos que aquele último fio da corda que o sustenta não se parta. Por um fio que é o mesmo que estar suportado por uma última e mínima gota no mar da esperança. Para sair de um estado miserável, não bastará apenas se levantar da cadeira, injetar fogo nos olhos e suportar a B e a C com cordialidade, como já bem reflexionou o mestre das metamorfoses. Para sair de um estado miserável, será preciso o mesmo despendimento de energia arrebatadora e monstruosa que levou alguém a acomodar-se na própria queda. Assim como para tudo isso, prevalecerá uma decisão, que se sustentará tanto maior se aumentada pela calma retirada do mais profundo âmago.

Não é necessário que alguém me conduza com as mãos, apontando-me com carinho e atenção aquilo que já não vejo. Não é necessário que alguém me retire com suas vísceras de minha acomodação feito a reação natural de uma felina selvagem ao ver seu filhote sendo amordaçado por algum caçador. Não é necessário que alguém me dê o trigo e o joio do que fazer com as cem direções apontando ao léu para qualquer vento quando meu tato se tornou áspero. Não é necessário que parta do sofrimento maior para que a percepção da luta e da sobrevivência se aclarem feito uma lição irreparável à espécie de animal que sou. Não é necessário que me prendam, assim como não é necessário que busquem meu retratamento social. À espécie de animal que sou que contém toda a espécie num único ser vivo, ao bicho feroz e espesso que sou que se confunde com o esgoto que sai das cidades para o encontro com o rio, ao humano demasiado humano que sou que pragueja e vocifera, que ama e que odeia, que sente e que reflete, que tem necessidades vitais e fisiológicas e que atende a toda sua particularidade espiritual e mental, profiro: do plano real e comum a toda gente do que é possível se encontrar no mundo, não há nada a mim que é necessário passar, porque não há nada que seja prescrito na ordem de um destino.

Como poderia assim ajudar quem quer que seja? Como poderia assim apontar caminhos? Como poderia assim oferecer o mar da esperança de mudanças prósperas para quem sabe se alguém a receberá ao menos num punhadinho de grãos quando nela já não há?

Como pode ser assim que há milênios um homem tenha feito ressoar o fluxo das águas da mudança e tenha chegado aos meus pés até à poça de lama onde um dia Hijikata se refletiu criança? Como pode ser assim que meu ser se preserve, persevere e na colheita abra-se feito um leque, enquanto ser na língua corrente nem se identifique com o ser gente?

Basta que em mim não morra a infinitude de minha esperança maior até a última e mais irrelevante. Um movimento característico dessa esperança obstinada é arregalar os olhos por se sentir ainda surpreso.


{04.01.16}

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