terça-feira, 11 de março de 2014

Em vista de uma memória límpida


Esqueceste, então, que a piedade é o conhecimento da singeleza? Esqueceste da canção para Alina, de Arvo Pärt, e de Chopin...? Jamais comeste do tomate-cereja fresco sobre o muro de alguma casa da infância, e hoje não seria eu a convidá-lo para o arrebatamento da tarde, no vigor da quebra de todas as ausências. Esqueceste, então, de chorar no convés, por finalmente avistar o amor passado de tantas querências confirmado pelo ultimato do porto? Esqueceste de refazer-te em sestas, esqueceste de destruir a lucidez de gabinete na luz noturna, esqueceste de marcar com uma fina linha vermelha de sangue a pele por motivo de ciclos que beiram ao excesso da solidão pessoal, esqueceste de ver a fome nos olhar de fogo dos animais, de avistar as estrelas perdendo com isso o fôlego – sim, porque a extensão do pensamento vai até as estrelas, e os corações humanos nesse interim de teias, são capazes de suportar apenas até onde o ar os encobre sem sufocá-los, sem que a alma seja palpitada até o momento do desprendimento total.

Esqueceste, principalmente, de tudo isso.

03/02/2014

Nenhum comentário: