terça-feira, 11 de março de 2014

À Morelliana



Como compor um texto sobre a ordem de um suave esmeril? Em um tempo que se abre como um cata-vento a qualquer vento é preciso carregar a pena e o tinteiro numa estratégia circense, sobre a corda do equilibrista, manejando o passo sobre o cadafalso, distintamente. Da mesma forma que a corrente cria mandalas que são aleatórias para os outros, catar as palavras no pulo do peixe, deixando para os confins do mundo, a luva de borracha do falar. Esmeril, aqui, rima com centopeias e aranhas. E a lucidez de gabinete se esvai num zás, criando um refúgio de sapiência cujo refluxo vem de uma violenta pressão xamânica. Desde o que pensa ao que fala, a reconciliação do escritor viria de uma lógica desdobrada: o momento do pulo é transcendental. Não sendo mais que isto, a escrita: a possibilidade de fazer da treva ensimesmada, treva resplandecida.

Mas, se é que as palavras falseiam as intuições, há de se criar um novo degrau de realidade aberta e porosa. Tudo devém de uma convergência de dimensões irreconciliáveis, como sempre, o dentro e o fora, a rua e o interior, o tresmalhado e o âmago, por isso voltemos à corrente: um homem, só, sumário, suando sua própria realidade...

Passa o carro, não olha; passa a bicicleta, não olha; passa uma ninfa, semi-nua, ilesa, fulgor e beleza – estreito,  não olha. Então chega a Morte, anunciando dizeres: “Vai-te, pela corrente, porém a Indiferença verterá tua sensibilidade numa urna funerária, em vez de lançá-lo adiante pelos jatos violentos da criação”. Fatalmente morre, uma de suas muitas mortes. Lancinante é o violino que o parte.

18/01/2014


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