Na cadeira do presente, que molha o passado, uma perspectiva
vindoura. Certamente muita coisa esquecerei, como se esquecem gotas e prantos
na margem de um rio. Os liames que me pregarão para o que se segue certamente
me puxarão rente ao chão da imensidão de uma memória duvidável e de uma memória
elegida por um dedo inconsciente que jamais se declarará. Imensidão pela aderência
na corda dos acontecimentos, de um indivíduo com narrativa e história? Mas
como, se ter imensidão é estar aportado de uma existência que ainda não se
iniciou, de uma existência pré-natal ainda não acontecida? O mistério da
aderência é o grande risco, o primogênito de uma caminhada sem retorno. Dessa
aderência me despreguei e voltei a grudá-la, compactuando com as amarras de um
pulsante retorno ao lugar dentro de si onde primeiramente se aportou, num pulo
pela saída mental no labirinto dos abismos consanguíneos. Definitivamente não
se compactua com o segredo de figurantes de uma narrativa bem situada, e nem
mesmo com o seu contrário, com todos os abismais. O figurante se anula, está
sob um véu de bisturis e plásticos alicerces, cada vez mais introduzidos na
argamassa das representações. Os abismais, muitos os guiarão ao centro da
floresta soturna, apenas um encontrará a base que o mantém firme e a sua
própria maneira de perigo. Recorre-se a meditações e fugas nos recantos da
memória, o ser solitário sem aderência e sem lar, como a uma criança que chora
por seu leite vital, em um inescapável retorno à grande roda. A ventosidade da
alma não tem lar, é um estranho na terra; o ser solitário compõe o seu segredo
como num bordado de linhas de ouro, no instante ativo de todos os instantes.
Esquecerei de um ponto e de outro ponto, de um acontecimento e de outro.
Habitarei apenas o desenho que compus nas tranças da memória, restando um
punhado de importâncias nulas e outro punhado de importâncias cruas. E apenas
até onde o controle das mãos não possa tremer a arte de compor livremente, a
violência com que meu destino foi lançado encontrará enfim o porto originário
de uma palavra fulgurante.
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