sábado, 27 de abril de 2013

Maurice Blanchot

"Mas, então, onde começa e termina a obra? Em que momento existe? Por que torná-la pública? Por quê, se é preciso preservar nela o esplendor do puro eu, fazê-la passar ao exterior, realizá-la, em palavras que são as de todo mundo? Por que não se retirar numa intimidade fechada e secreta, sem produzir nada mais do que um objeto vazio e um eco agonizante? Outra solução: o escritor aceita suprimir-se ele próprio: na obra somente conta aquele que lê. O leitor faz a obra; lendo-a, ele a cria; é o seu verdadeiro autor, é a consciência e a substância viva da coisa escrita; assim, o autor só tem uma meta, escrever para o leitor e confundir com ele. Tentativa sem esperança. Pois o leitor não quer uma obra escrita por ele; quer justamente uma obra estrangeira em que descubra algo desconhecido, uma realidade diferente, um espírito separado que possa transformá-lo e que ele possa transformar em si. O autor que escreve especialmente para um público, na realidade, não escreve: é esse público que escreve, e, por essa razão, esse público pode mais ser leitor; a leitura o é apenas em aparência, no fundo é nula. Daí a insignificância das obras feitas para serem lidas - ninguém as lê. Daí o perigo de escrever para os outros, para despertar a palavra dos outros e descobri-los a eles mesmos: é que os outros não querem ouvir suas próprias vozes, mas sim a voz de um outro, uma voz real, profunda, que incomoda como a realidade."

(A literatura e o direito à morte;
Da parte do fogo - Maurice Blanchot)

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