sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Prenúncio


Sentada ao chão do convés, já pode então começar a ver à distância. Primeiro se desprende das imagens da memória, não havendo resgate na noite. Depois se desprende da forma de escrever e do embaralhar dos pensamentos. Do nada que não contém nada se pode deduzir. Com auxílio do tempo em prelúdio, devia ao menos fazê-lo fluir para além do fluxo sanguíneo. Trabalha com formas no instante em que prenuncia uma criação e pode fazê-lo sem tijolos simbólicos. Fazê-lo deve ser ao menos anunciá-lo. Como despertará amanhã depois do prenúncio? De onde iniciará para voltar à condução locomotiva do hábito? De quê intranquilo sonho virá a pregar-se com o todo-sabido levantar do Sol? E no quê interfere o meu conhecimento dele sobre o seu fazimento costumeiro e primitivo de estruturas pedregosas?  Por enquanto, apenas impera o rigor da necessidade. Por enquanto, morte e vida em potência fazem sua combustão de retoque. O que já foi escrito, catalogado nas estantes empoeiradas por mundo afora, sendo agora somente a vez de realizar o seu próprio escrito poeirento, o seu próprio documento de passaporte identitário, a única forma para si encontradamente acertada de lançar-se pura vida em manancial e em reserva.  Formas estéticas de beleza, e não de sublime, a evadem para conter o impronunciável. Há de se perceber na imagem a sua última demão de tinta, e posteriormente, o seu reparo, este agora nas mãos de outro artesão, algum outro mais minucioso. Derramar-se em cal e remodelar-se inteiramente, mais de uma vez e incansavelmente... Acordar com cabelos longos, com a história das nebulosas na fibra de cada fio, com a indignação por ter se espantado dignamente pela noite, e, finalmente, na cara, a expressão dessa viagem que faço a sós comigo, da experiência posterior ao estonteamento e ao declínio da matéria carne e osso feito pedra polida. O resto – o resto é Ópio.  

{15/10/2014}

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